A GUERRA "IN LOCO"



Continuando com as minhas estórias de vida, venho hoje contar-vos a minha ida para a guerra…
O meu marido foi destacado para ir comandar a Flotilha de Lanchas do Lago Niassa, uma das zonas de campanha de Moçambique (1967). Como podem calcular, o céu desabou-nos em cima! Tivemos de tomar decisões drásticas e dramáticas que iriam provocar problemas emocionais e psicológicos que, naturalmente, deixaram as suas marcas. Mais uma vez se iria ter de dar uma separação e avançar para situações de risco. Acabámos por mandar um dos nossos filhos para Lisboa e, contrariando ordens superiores, lá fomos de avião até àquela terra distante. Partimos para a cidade da Beira e de lá para Vila Cabral e, por fim, Metangula cujo acesso só podia ser feito com um avião pequeno (Cessna), visto que as estradas estavam cortadas por causa das minas.
Instalámo-nos numa casa que apenas tinha dois quartos, uma cozinha e uma casa de banho. A sala de jantar era num anexo feito em forma de palhota. Aliás, uma das razões porque não pudemos levar os filhos todos, era precisamente o facto da casa ser muito pequena e porque, quando fui para Lourenço Marques ter com o meu marido, o meu filho mais velho ter ficado em Lisboa com uma das irmãs, achámos em consciência que seria a altura dos avós mimarem o outro neto. Dividir irmãos nunca será uma boa ideia, mas foi a decisão que nos pareceu menos má e que, à partida, não deveria ser por muito tempo.
Lá nos instalámos para viver a experiência de um grande isolamento e com a guerra mesmo à porta. Quantas e quantas vezes estávamos a jantar e a ouvir tiros quando a aldeia era atacada. É curioso como nos habituamos a certas condições e conseguimos tirar partido das parcas condições de vida, condicionados pela proximidade do perigo e pelo próprio Lago que é imenso (curiosamente, 365x52 milhas). A camaradagem que se estabelece nestas situações é a ajuda fundamental para se aguentar as faltas próprias das condições em que nos encontrávamos. Fizemos amigos cuja amizade dura até hoje, e procurámos manter um nível de dignidade na aparência e nos modos. Na dita palhota, reuníamos com outros casais e alguns oficiais que se encontravam sem família, a melhor forma de escapar às depressões que a situação provocava.
Ocupava-me das crianças e da horta onde cresciam feijões, tomates, ervilhas, piripiri e tudo o mais que se semeasse pois a terra era generosa. Antes de ir, tive o cuidado de me prevenir com sementes e material de trabalhos manuais que me ocupassem o tempo. Nessa altura, aprendi a fazer croché e aperfeiçoei o tricô que já praticava naturalmente. Durante a convivência com as mulheres dos camaradas do meu marido aplicávamo-nos na confecção de sobremesas e deram-se muitas trocas de receitas que guardo religiosamente.
Infelizmente, durante a estadia neste local sofri a perda do meu Pai e também tivemos de mandar o nosso filho mais velho para Lisboa, uma vez que não estava a ter aproveitamento na escola pelo facto de ser o único a falar português convenientemente. Outra razão foi a minha Mãe estar a ter dificuldade em aguentar o meu filho sozinho. Os dois irmãos juntos suavizaram a situação, mas mesmo assim, tive de acabar por me ir embora antes do meu marido acabar a comissão de serviço. Regressei a Lisboa, via Lourenço Marques e lá acudi aos problemas o melhor que pude. Ainda esperámos uns bons meses até que voltássemos a estar novamente reunidos, agora definitivamente, em nossa casa! Começava outra etapa bem diferente, mas não menos agitada.
Fiquem bem!

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