ACTUALIZANDO UMA MEMÓRIA

 

ACTUALIZANDO UMA MEMÓRIA

Em 1981 fiz, em companhia de uma amiga e do seu marido, uma peregrinação à Índia para termos contacto com a realidade do yoga naquele país, de onde é originária esta filosofia de vida. Desembarcámos em Bombaim e passámos a percorrer vários pontos, onde sabíamos haver centros de yoga conhecidos no ocidente. Fomos tendo algumas surpresas e constatando que o yoga praticado na Índia, não tinha como base o exercício físico, como era tido no ocidente e, que davam mais importância à espiritualidade inerente, coisa que eu sempre entendi ser essa a principal ideia desta filosofia, apesar de considerar o corpo como o principal instrumento.

A ideia de espiritualidade pode implicar com a religiosidade existente, embora o yoga não seja uma religião. Quando chegámos a Rishikesh, o lugar onde a espiritualidade reina e o mestre Sivananda tem um "ashram" (convento), contratámos um guia, mister Ching, que nos adotou logo e se apresentava todas as tardes à porta da nossa pensão para nos levar a conhecer os vários yoguis (gurus) da zona. Ele foi-nos pondo a par das qualidades e defeitos de cada um daqueles seres, que se refugiavam isolados na floresta, para meditar ou partilhar conhecimentos com discípulos ou, simplesmente, para serem alvo da curiosidade dos turistas como nós, aproveitando para ganhar uns trocos. Posso afirmar que, ali, tive a noção da validade da meditação e como o ambiente era propício.  Mister Ching, naturalmente, assumido como guia espiritual, passou a relacionar-se connosco e a conhecer melhor cada um, à sua maneira. Segundo ele, sabia sempre onde andávamos, mesmo quando não estava connosco! A telepatia é natural nestes ambientes…

Engraçou comigo mais, talvez porque a minha amiga estava acompanhada, e começou a falar da ideia de formar comigo um centro de yoga. A propósito dessa ideia, ainda me disse que o meu futuro dentro do yoga só seria bem-sucedido quando fosse mais velha!!! Aceitei a informação, sem grande preocupação, mas sentindo que, na verdade, este caminho não havia de ser muito fácil. A relação com a minha amiga que, como companhia era agradável, mas como pessoa éramos muito diferentes, o que havia de se manifestar mais nitidamente, a longo prazo. A minha vida pessoal, à época, também não era um mar de rosas e a minha experiência como instrutora ia dando os seus passos, com vontade de aprender e de ajudar quem estava a despertar a consciência para o corpo, como meio de acção para o desenvolvimento espiritual.

Cada vez acreditava mais no yoga como uma filosofia de vida completa e a necessitar de aprender, através de livros e de contactos com os mestres que me foram aparecendo ou que descobria por conta própria. Na verdade, o meu percurso, desde então, foi marcado por vivências extremamente dolorosas e que puseram à prova toda a família e, aquilo que já tinha aprendido, me serviu para conseguir sobreviver à tragédia que foi a perda da minha filha mais nova! Tudo o que sabia como disciplina ou aspectos do yoga permitiram-me ser capaz de seguir em frente, por amor à minha família e aquela que me foi "emprestada".

Tudo que sabia ou ia descobrindo, foram as ferramentas adequadas ao processo de desenvolvimento pessoal e colectivo, perseguindo o caminho estabelecido, com a certeza de que o meu papel seria sempre de manter a união dum grupo de almas e que as ajudas seriam as necessárias em cada momento ou circunstância.

Agora, que entrei noutra etapa da minha longa vida, tenho-me dedicado a fazer o ponto da situação, para que os anos a viver sejam tranquilos, continuar a aprender o que estiver ao meu alcance, servir e cuidar daqueles que de mim se aproximam ou precisam. Sigo, com a consciência dum percurso cheio de momentos e de vivências que priviligio e agradeço aos deuses que me assistem, pois fizeram de mim o ser que sou, despertando para uma realidade transcendente, que procuro passar a quem está no ponto para agarrar o conhecimento que o SENTIR proporciona.

Mister Ching tinha razão! Agora é que me sinto inteira e a aceitar, verdadeira e definitivamente, o que sou e como sou! Não há dúvida, o tempo tem o seu tempo…



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