A CAMINHO DE RISHIKESH


O comboio era do tempo da outra senhora, como se costuma dizer, muito pior do que aquele que tomámos para Poona. Durante todo o caminho choviam coisas pretas o que nos impedia de ter as janelas abertas para não levarmos com elas em cima! No princípio da viagem ainda dava para observar o panorama que se ia desenrolando, bairros miseráveis que já não dava para estranhar, mas o que fez com que nos fartássemos de rir foi ver o espectáculo de dezenas de indivíduos a fazerem as suas necessidades à vista de todos! À nossa frente ia uma família indiana muito simpática: pai, mãe e uma filha crescida muito gira. O pai, logo ali tirou os sapatos e sentou-se no banco de pernas cruzadas. A certa altura, a mãe puxa dum farnel e o pai, continuando de pernas cruzadas, virou-se para o lado e preparou a mesa do repasto, caril de vegetais dentro dum saco de plástico, cebola crua, partida aos bocados, chapatis (pão indiano) e malaguetas. Lá comeram tudo à mão, não sem antes perguntarem se éramos servidos. Terminaram a refeição com pêros e arrumaram tudo muito arrumadinho, limparam as mãos a um lenço e a uma toalha e pronto! Sempre que os comboios param numa estação, começa a gritaria dos vendedores a anunciar os seus petiscos e bebidas e o mesmo se passou dentro das carruagens. Passam a vida a petiscar...
Como não podia deixar de ser, a rapariga, depois de jantar, meteu conversa comigo. Pergunta sacramental: de que país éramos e que língua falávamos. Conversámos um pouco, perguntava ela, perguntava eu e acabou por me dizer que ia a Deli às compras para o seu enxoval, uma vez que se iria casar em breve, com 19 anos. Foi engraçado e sempre deu para passar o tempo.
À chegada a Deli, já mortos de cansaço, tivemos a guerra dos carregadores e dos taxistas, mas lá conseguimos chegar ao hotel que, por azar, não tinha ar condicionado e estava um calor sufocante. O colchão da cama estava tão quente que mais parecia ter um saco de água quente. Janela aberta, ventoinha, banho frio e mal caí à cama foi tiro e queda. Acordei na manhã seguinte cheia de calor, porque a dita ventoinha tinha parado por falta de luz...
Depois do pequeno-almoço, lá seguimos para Rishikesh que, só vos digo que foi uma viagem simplesmente pavorosa. Quando “aterrámos” em Hardwar, a cidade sagrada à beira do Ganges, só me apetecia atirar-me para o chão e a pensar “Valerá a pena o sacrifício que estamos a fazer?...”
Quando chegámos à estação dos autocarros, tivemos logo a boa surpresa do nosso autocarro ser normal, ou seja, vulgar de carreira, não sei se percebem o que isso significa... Preparamo-nos psicologicamente para o pior e lá nos encaixámos como pudemos no meio de uma quantidade de gente, um calor insuportável (até comprámos uns abanicos) que fazia com que começássemos a suar em bica. Sentou-se a meu lado um homem que foi amável ao ponto de levar em cima das pernas a minha mala, visto que não havia onde a pusesse. Só mais tarde, depois da barafunda amainar, conseguimos empurrá-la para debaixo do banco.
Ao fim de uma hora e meia de sacudidelas e apitadelas, lá chegámos a 1ª paragem para os habituais xixis, comidas e bebidas. E, assim sucessivamente até chegarmos a Hardwar, felizmente, mais cedo do que o previsto. Ali, o pouco ânimo que levava, acabou-se duma assentada! Montes e montes de gente, moscas aos molhos, um calor insuportável e ainda tivemos de carregar com a bagagem até ao autocarro seguinte que, depois de ¾ de hora de espera, conseguiu levar-nos até Rishikesh, por um caminho ao longo do Rio Ganges que, devido à monção, corria muito barrento. Escusado será dizer que o que restava do meu moral esfumou-se em dois tempos pois aquela terra não se apresentava nada convidativa. Lá chegámos ao pseudo hotel de luxo (na óptica deles, claro…). A localização era óptima, um sítio muito bonito na margem direita do rio, rodeado de montanhas. Comecei, então, a sentir uma certa paz e desejosa por um banho que limpasse o cansaço e o desconforto de sete horas de viagem. Apesar do sono, resisti à tentação de me deitar para poder ir com os meus amigos fazer uma volta de reconhecimento.
À saída do hotel, a caminho da margem do rio, começava a fila de pedintes. Quando passávamos por eles cantavam “Hari Om, Hari Om, Hari Om” e, se lhes dávamos esmola, juntavam as mãos no peito em jeito de agradecimento. Fomos passando por vários templos com uma grande variedade de deuses um tanto ou quanto berrantes. Atravessámos uma ponte suspensa, suficientemente forte para poderem passar carros, de onde podíamos ter uma bela panorâmica do rio que corria veloz. Chegados à outra margem, sentámo-nos a observar o rio e o ambiente; assistimos ao banho de um velho sacerdote que teve o seu encanto e constatámos que tomar banho, mesmo em águas porcas, é um ritual que se repete, principalmente neste rio sagrado.
Voltámos ao hotel para jantar e digo-vos que os nossos sacrifícios foram compensados com uma bela refeição: guisado de cogumelos e tomate com arroz frito, do tipo xau-xau que estava uma delícia. Escusado será dizer que, depois de tal repasto fomos para a cama de papo cheio e felizes como perfeitos bebés, não sem deixar a escrita em dia. Apaguei a luz às 21.30, mergulhando num sono profundo e reparador para acordar pronta a viver novas experiências, novo banho de cultura, mas isso vos contarei no próximo encontro.

Fiquem bem!

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