DUAS VIDAS...
DUAS VIDAS…
Considero-me uma mulher de sorte e gostava de explicar a
razão desse sentir que, neste tempo, em que o tempo não se quer contar, me
permite fazer uma revisão do que foi a minha vida. Não o faço por uma questão
de saudosismo, mas por achar interessante contabilizar as experiências vividas
e, por isso, com muitas estórias para contar e partilhar.
Fui mulher e mãe, completamente entregue a essa tarefa, um
trabalho que considero meritório, mesmo que não seja, normalmente, devidamente
considerado, nem tão pouco remunerado. A maternidade foi um sonho concretizado
e os filhos são a minhas/nossas medalhas por considerar termos criado uma
família de que nos orgulhamos, acrescida com os netos. Como casei muito nova e
os filhos foram chegando com breves intervalos, acontece que atingiram a sua
maioridade quando eu era ainda jovem, e dei comigo a pensar não ser agradável
deixar de ter os cuidados familiares habituais, criando a sensação de ter
ficado “desempregada”, e a precisar de procurar uma ocupação suficientemente interessante
e a meu gosto. Retomei então os estudos de inglês no Instituto Britânico e, um
pouco mais tarde, a prática do yoga no Ginásio Clube Português, uma novidade
nesse tempo.
Completados os estudos, o yoga passou a fazer parte da
minha existência e a minha vida tomou outra forma, outro sentido. Continuei a
ser “doméstica”, até me tornar instructora de yoga e a dedicar mais atenção à
minha formação nesta matéria, para poder prestar aos alunos a melhor qualidade
dos ensinamentos que me foram ministrados pelos diferentes mestres com quem
tive a honra de conseguir aprender.
A abertura do primeiro Centro foi um passo decisivo no
desenvolvimento do meu processo de ser e estar como pessoa, pronta e disponível
para servir os meus semelhantes. Passei a ter de gerir uma escola e tudo o que
isso possa envolver, com os desafios próprios, com a consciência de que ter de
lidar com uma filosofia de vida complexa e muito exigente, na medida em que está
em causa a com a relação corpo-mente. Nos primeiros tempos o yoga era
considerado como uma prática física ligeira e, o efeito da mente só se
considerava como forma de descontração e melhoria da concentração. Antes do 25
de Abril, nem se podia falar em espírito, porque a ideia de espiritismo era proíbido!
Quando a liberdade passou a ser uma realidade, foram chegando a Portugal
diferentes mestres e houve a oportunidade de algum desenvolvimento no
conhecimento desta antiga filosofia e foi possível ir à descoberta dum sistema
de vida que se tornou revolucionário, para além da recém-chegada liberdade.
Nunca tive a sensação de ninho vazio, porque o nosso espaço passou a estar
sempre cheio com os que foram chegando ao encontro dum ser e dum estar que está
muito para além do imediato e do comum.
Esta vida, que assumi de corpo e alma, passou a ser uma
forma de ser e de estar em que o amor incondicional tem o seu papel e, posso
dizer, que tenho uma grande família biológica e espiritual, e assim voltar a
afirmar-me como uma sortuda, por ter tido duas vidas e a procurar viver mais a
que me falta, o melhor que posso e sei, com o amor dos que me rodeiam e todos a
quem a minha experiência de vida possa servir para que a sua existência seja,
também ela, digna deste grupo de almas a que pertencemos.
Tudo graças aos meus deuses, aqueles mestres e guias que me
ajudaram e, certamente, ajudarão nesta próxima etapa.
OM
SHANTI OM
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