QUANDO MENOS SE ESPERA...


“TUDO PASSA SEM DEIXAR MARCAS PARA ALÉM DAQUELAS QUE SÃO NECESSA´RIAS PARA AS LEMBRANÇAS SEREM LIÇÕES APRENDIDAS.”


Tal como vos tinha dito, as aulas na Piscina dos Olivais tinham os dias contados, porque naquela altura o bairro era mais do tipo dormitório e, por isso não podia haver um grande desenvolvimento de actividades como o Yoga. Resolvi, pois, interromper e esperar pelos acontecimentos. Mais tarde, uma amiga minha falou-me na hipótese de dar aulas no Clube Atlético de Alvalade que ela frequentava nas classes de ginástica. Ficou-me a informação no ouvido e o bichinho da vontade de continuar despertou do seu sono... Resolvi telefonar para o Clube e perguntar se poderia falar com alguém da Direcção. Lá me apresentei e o entusiasmo que manifestaram perante a ideia foi imediato. Restava encontrar o sítio conveniente para a sua concretização. O único que nos pareceu aceitável, não tinha propriamente as melhores condições pois era uma sala usada por uma senhora que lá dava aulas de artes decorativas e, para se lá chegar havíamos de atravessar a sala do “Ballet”, mas a vontade suplantou tudo e, logo ali, se apostou em levar por diante a minha sugestão. Hoje, quando penso nas condições que proporcionamos aos nossos praticantes no “Satsanga”, reconheço a ousadia daquela atitude e a natureza de revolucionária e descobridora a manifestar-se. Na verdade, para começarmos com as aulas, tivemos de colocar uns cartões no chão que era de pedra e, por cima uns cobertores! Para além disso, eu levava um candeeiro de bicha e o calorífero para dar o mínimo de conforto aos possíveis alunos. Em Janeiro de 1978, anunciada que foi a novidade, foram aparecendo alguns corajosos e a “moda” pegou de tal maneira que foi preciso aumentar o horário e, no ano lectivo seguinte já beneficiámos duma alcatifa verde. Para se chegar à sala nos dias do “ballet” era preciso que a professora parasse os trabalhos para nós, em fila indiana, avançarmos em direcção ao nosso espaço sem que fossemos “fulminados” pelos seus olhares!
Foram dois anos inesquecíveis em que a carolice reinava a toda a prova. Uma das minhas primeiras alunas é professora e ainda continua a dar aulas apesar dos seus 81 anos! Ganhou uma flexibilidade incrível e uma saúde invejável. Desse tempo resta outra que me acompanha até hoje como paciente e amiga.
Entretanto, desafiaram-me para dar aulas em Almada e, como de costume, não me fiz rogada e lá me apresentei a um grupo de alunos num estúdio de “ballet”. Posso dizer que esse grupo se fez semente para lançar a estrutura que é o “Satsanga – Centro de Yoga” que nasceu em 1983, depois de andar por outros sítios quando o estúdio acabou. As condições que nos eram proporcionadas nos locais disponíveis não nos satisfaziam e eram sempre de ordem precária. Como a necessidade faz o engenho, acabámos por chegar à conclusão de que o ideal seria ter um espaço próprio. Foi o que veio a acontecer.
As idas ao Reino Unido começaram a ficar complicadas pelo facto da nossa Revolução ter dado origem a dificuldades de vária ordem e, também, porque o nosso dinheiro estava cada vez mais barato. No entanto, não desistimos de avançar com a nossa formação e, por uma questão de bom senso, resolvemos deixar de ir para o País de Gales e passar a frequentar uma escola em Londres. Descobrimos uma associação “Albion Yoga Movement” que foi a nossa casa durante dois anos. Organizavam cursos de Verão num colégio de freiras perto de Wimbledon com a duração de uma semana. Novamente trabalho duro e muito proveitoso. As aulas de “Hatha Yoga” duravam 3 horas e, para além delas, havia exercícios respiratórios ao ar livre, meditação e palestras sobre filosofia à noite. O Mestre era um orador nato e a sua facilidade de comunicação encantava-nos. Ainda tenho cassetes de áudio com essas palestras e foi de lá que trouxe as primeiras músicas de relaxamento que cá não havia. Algumas dessas músicas já as apanhei em CDs.
A abertura de espírito que estes cursos nos deram não tem preço, ou antes, tem... O preço que tivemos de pagar foi alto, mas a nível psicológico. À medida que íamos aprendendo a lidar com outros aspectos da existência, ficávamos mais isoladas no que respeita a relações familiares e sociais, embora achassem alguma graça às nossas aventuras... Voltava aos tempos em que ninguém falava a minha língua... Sempre que voltávamos a Lisboa não conseguíamos que entendessem o nosso entusiasmo e as nossa vivências cada vez mais fortes, mais intensas. Comecei a viver um dos mais duros períodos da minha vida, coincidindo com as perturbações revolucionárias e o crescimento dos meus filhos que foram apanhados na adolescência com agitações de vária ordem. As dificuldades foram de tal ordem que cheguei a pensar em desistir deste caminho que, agora, se apresentava tão difícil. No último curso que fizemos pus o problema ao mestre; se não seria melhor eu desistir porque me sentia cada vez mais afastada da sociedade em que estava inserida e, embora me aceitassem por educação e delicadeza, não entendiam nada do que se passava comigo e eu também tinha alguma dificuldade em explicar. São coisas que se sentem e só quem as vive as pode perceber... O mestre virou-se para mim, fez um certo silêncio, e disse: “Agora é tarde demais! Quem alguma vez viu a luz não pode voltar para a sombra!!!!”. Perante esta resposta, meditei muito sobre o assunto, e cheguei à conclusão de que, se não podia voltar para a sombra, então o melhor seria arregaçar as mangas, deixar de ouvir vozes dissonantes e lutar pelos meus ideais. Foi uma decisão de nível bem profundo que nem vos sei explicar muito bem como aconteceu. Senti que aquele era o meu caminho sem me preocupar com as consequências nem, tão pouco, com a forma de o fazer. O impulso do costume, poderão vocês dizer... Não há nada a fazer!
O impacto destes trabalhos e as informações que fomos adquirindo, levou a que pensássemos em arranjar um Centro de Yoga onde pudéssemos oferecer aos alunos o ambiente adequado a esta prática, do jeito que entendíamos ser o ideal; foi assim que nasceu o “Centro de Yoga de Lisboa”, propriedade da minha amiga que tinha facilidades de que eu, na altura, não dispunha. Deixei o Clube Atlético de Alvalade”, com muita pena deles, e todos os meus alunos se transferiram para o Centro que abrimos em 1980. Novo capítulo na minha vida que progredia conforme podia e sabia, tanto em casa como no trabalho. As ajudas que sempre tive e tenho tido, nunca me deixaram desanimar, nem deixar de acreditar, apesar de tudo e de alguns descrentes. Penso que uma das minhas mais valias será em saber que sei, sem margem para dúvidas todas as vezes que tenho de avançar com algum projecto mais ambicioso ou transcendente. O pioneirismo tem, realmente, o seu preço, mas vale a pena, digo-vos eu. Os Deuses lá sabem porque estão comigo nos momentos mais difíceis. Tenho aprendido a confiar que, quando o que fazemos tem o seu mérito, as soluções vão aparecendo e as ajudas vão chegando. Não é fácil, mas resulta!....
Fiquem bem.



Comentários

Aldina Duarte disse…
Fiquei sem palavras!

beijinhos!

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