EXPERIÊNCIAS VIVAS

Depois de nos instalarmos, a nossa primeira participação nas actividades foi no Arati da tarde, os cânticos feitos em pé. O templo era muito giro, mas a “fauna” que por lá pairava era um tanto ou quanto esquisita, especialmente eles. Uns 20 e tal europeus completamente orientalizados pois viviam ali há muito tempo. A seguir à cantoria, tivemos a nossa primeira experiência de comer como mandam as regras: sentados no chão, usando só a mão direita (comer à mão mesmo) e em silêncio. Ao princípio deu-nos vontade de rir, mas depois tudo correu pelo melhor. Comer caril com a mão, apesar da ajuda dos chapatis não é, definitivamente, tarefa fácil para quem não está habituado. À saída cada um levava o seu prato e lavava-o no mesmo sítio onde se lavavam as mãos.
Mais cânticos e rezas, desta vez sentados no chão e lá estivemos nós a tentar acompanhar durante uma hora. Regressadas ao quarto, preparámo-nos para a deita numas camas do tipo suma-a-pau com um mosquiteiro para que os mosquitos não se servissem de nós como sobremesa… No quarto havia uma casa de banho, a sanita para fazer as necessidades de cócoras e o banho era de balde. Água quente só à tarde a partir das 5. É claro que não nos passou pela cabeça acordar às 03.30 da manhã, mas sim às 5 para a oração das 5 e meia. No entanto, começámos o dia bem cedinho porque, diga-se de passagem, não dormimos grande coisa. Lá fomos para a sessão matinal dos cânticos até à hora do pequeno-almoço (07.00). Enquanto os residentes iam para os seus trabalhos, nós fomos dar uma volta pelo parque que tinha uma profusão de estátuas e imensas árvores lindíssimas. Pelo caminho fomos encontrando vários grupos, fazendo limpezas, tratando das vacas ou do jardim. Às 11.30 aprontámo-nos para novos cânticos de louvor ao Mestre Nytiananda e ao meio-dia, almoço com a ementa do costume: arroz, chapatis e caril vegetariano. Depois, seguimos para o templo deste Mestre que ficava relativamente perto do Ashram. Ao chegarmos à aldeia – se é que se pode chamar àquilo uma aldeia – deparámos com um ourives e lá metemos nós o nariz. Fechei negócio com duas pulseiras para os tornozelos já que não consegui arranjar um anel para o dedo do pé… O engraçado é eles venderem estas coisas a peso. Aquela aldeia resume-se a uma rua cheia de barracas onde se vendem objectos ligados ao culto do Mestre, tal como se faz em Fátima. Com a estória das compras acabámos por chegar ao túmulo quando o guarda tinha ido almoçar mas, como entretanto tínhamos ouvido música, fomos espreitar e demos com um grupo de pessoas (mais mulheres do que homens) a dançar em círculo à volta dum altar iluminado e cheio de flores. Por ali ficámos mais duma hora por causa da chuva que começou a cair. Logo que pudemos, apanhámos um “táxi”, tipo tipóia a cair aos bocados, que nos levou até ao Ashram. A miséria destes lugares e destas pessoas é impressionante e custa imenso assistir a crianças dividirem um bocado de coco ente elas, devorando os pedacinhos com uma sofreguidão que nem imaginam. Impressionante e chocante, tanto mais que pareciam muito felizes!!! Este povo, só com uma filosofia tão especial, consegue sobreviver sem revolta e com um sorriso.
Às 17.30 voltámos a ter cânticos até à hora do jantar que, como sempre, foi rápido e “variado”… Voltei ao templo para nova sessão musical. A minha amiga estava indisposta por isso não foi e, eu que pensava não ficar até ao fim, fui impedida pelo irmão Govinda de o fazer pois ele disse-me que me daria os nossos passaportes no fim da cerimónia! Instalei-me no meio dos indianos em vez de escolher a companhia dos estrangeiros e não me arrependi. A música esteve animada e cheia de ritmo que senti, apesar de não vibrar tanto como o resto do pessoal. O templo estava cheio de gente e o homem que tocava os ferros marcava o ritmo com uma energia fantástica. Foi divertido observar o espectáculo e senti-me bem. À saída estava um rapaz a oferecer “prasad” (oferenda de doces). De passaportes na mão, mais uma foto do Mestre Muktananda, discípulo de Nytiananda, lá me fui deitar. No dia seguinte só acordámos às 06.30 já bem dormidas por nos terem dado um colchão. Nem ao pequeno-almoço fomos! Tomámos o café na cantina da frente, arrumámos as malas, entregámos a chave e ainda fomos ao dispensário pedir alguma coisa para o paludismo pois as minhas coxas estavam de tal maneira picadas pelos mosquitos que mais pareciam um passador. Apanhámos o autocarro que foi positivamente assaltado pela malta que estava na paragem e nós tivemos de fazer o mesmo se não quiséssemos ficar em terra…
Assim, demos por finda a grande aventura que nos levou aos confins do mundo para vivermos experiências únicas, surpreendentes e estranhas para a nossa cultura. Um passo mais na ampliação da consciência que nos deixou, apesar de tudo, mais convencidas de que estávamos no caminho certo mesmo não sabendo como chegar a um consenso, na ideia de que, afinal, somos ocidentais.
Chegámos a Bombaim onde nos encontrámos com o marido da minha amiga, regressado da sua viagem a Goa. A próxima etapa levou-nos para norte, Poona, mas isso fica para a próxima.
Fiquem bem!

Comentários

Aldina Duarte disse…
O que mais me impressionou neste seu relato foi a fome dos meninos de sorriso nos lábios?!... porque será que desse lado os meninos com fome sorriem e no brasil os meninos com fome matam? Esta foi uma grande conversa que eu e um grande amigo tivemos em tempos... Acho lindo quando a Maria Emília diz que no meio de tanto desconforto próprio da pobreza e simultaneamente impressionante pelas visíveis e profundas diferenças culturais, que tudo continuava a fazer sentido, a saber hoje da sua mestria é admirável o instinto e a assertividade em todos os momentos, incluindo os mais difíceis!!!

beijos.
Maria Emília disse…
Acreditas que, tb eu me questiono?...Acho que cada um é para o que nasce e para o que tem de fazer... Deus dá o frio conforme a roupa! A minha roupagem tem-me permitido viver coisas muito extraordinárias, umas difíceis, outras maravilhosas e, claro, é preciso ver que tenho tido uns Guias muito bons e uns anjos da guarda impecáveis!!!
Um abraço

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