ESPERAR O INESPERADO








De vez em quando dá-me para voltar atrás e rebuscar no meu baú das memórias, vivências tão extraordinárias quanto divertidas e que, ao mesmo tempo, sejam lições de vida para os que me acompanham como foram para mim.
Numa altura em que o contacto com a “Fundação Yoga para a Paz” (Espanha) era frequente, foi-me proposto participar numas “Férias Inteligentes” que organizam anualmente e que pretendem dar às pessoas a oportunidade de gozarem uma férias repousantes e, simultaneamente, enriquecedoras com várias actividades, práticas e teóricas que fazem com que as pessoas aprendam e convivam num meio saudável e alegre. A mim calhou-me fazer um mini curso de “Shiatsu” durante três semanas, para além de atendimentos individuais, ao mesmo tempo que podia participar nas meditações matinais, nas aulas de Yoga e nas palestras que suscitassem o meu interesse. O local escolhido nesse ano, foi um belo Hotel, na Praia Branca, em Lanzarote, corria o ano de 1993.
Como devem calcular, o desafio não era pequeno, pois tinha de falar em castelhano para um grupo de cerca de sessenta e tal pessoas! Comigo estavam cinco alunos do Centro que foram em gozo de férias. A aventura, no entanto, começou logo à chegada. Imaginem que, ao chegar ao quarto dei de caras com uma companheira que, sorridente, me cumprimentou com um “belo” cigarro na mão!!! Nem queria acreditar no que me estava a acontecer... Uma acompanhante fumante era o que menos esperava naquelas circunstâncias. Entrei em contacto com os organizadores, que ficaram um tanto ou quanto embaraçados, explicando-me que, a senhora era galega e, por isso, pensaram que nos entenderíamos melhor... Infelizmente o hotel estava cheio e não havia hipóteses de me mudarem, a não ser que, de repente aparecesse uma solução. Dei comigo a pensar: “Se calhar tenho de aceitar estas condições que terão o seu propósito kármico...”. Foi isso que fiz. Ao voltar ao quarto, falei com a pequena, pedindo-lhe que passasse a fumar na varanda o que ela fez sem problema. O Karma ainda me apresentou outra situação a provocar a minha capacidade de adaptação... A rapariga tinha caído ali na esperança de encontrar consolo para um grave problema da vida dela; a filha adolescente havia desaparecido de casa há mais de um ano!!! Como devem calcular o panorama não se apresentava animador quanto a sossego e paz de espírito para levar a bom termo as minhas tarefas agendadas. Na verdade, as coisas acabaram por se harmonizar, apesar das nossas enormes diferenças de actuação. Para além do fumo, havia a questão das dormidas... Ela não dormia de noite, vagueava pelos jardins do hotel ou ficava a fumar na varanda até de madrugada, quando eu me preparava para me levantar e seguir para a meditação da manhã. Lá nos fomos organizando, cada uma respeitando o espaço e as condições da outra e acabei por tratar dela um pouco. A Maria, assim se chama, era uma artista plástica que tinha o seu atelier na Corunha e o desaparecimento da filha foi um desastre a que não estava capaz de dar solução e pensou que aquelas férias a poderiam ajudar de alguma maneira. Só que, ela não participava em nenhuma actividade e, tanto quanto me lembro, as suas refeições eram feitas fora de horas... A cura não passava por ali!
Os meus trabalhos seguiram de acordo com o estabelecido, entremeados com as práticas que me interessavam e o convívio com os participantes activos que fui conhecendo. A ilha de Lanzarote é magnífica, apesar da sua rudeza vulcânica. Os atendimentos individuais proporcionaram-me uma experiência riquíssima pois deu-me oportunidade para contactar com pessoas inteiramente desconhecidas o que não acontecia no Centro porque os meus pacientes eram, de um modo geral, alunos ou conhecidos. Foi um tempo fantástico em que aprendi imenso e fiz alguns amigos que, me passaram a visitar em Lisboa. Pelas fotos que vos mostro, podem ver que não minto...
No ano seguinte, voltei a participar nestas férias inteligentes, desta vez, em Tenerife. Um dos meus alunos (bailarino de profissão) que, entretanto se fez instrutor de Yoga, também foi comigo para trabalhar danças, coisa que ele tinha demonstrado em Lanzarote. Confesso que, a estadia em Tenerife (na zona sul) não foi tão interessante em termos turísticos, mas os trabalhos em que participei, Shiatsu e Expressão e Criatividade, correram bem. O problema destas coisas é que, gosto mais de trabalhar com grupos pequenos e envolver-me mais com as pessoas, o que não acontece nestas condições. Acabava sempre por ter de fazer terapias improvisadas, deixando de ter tempo para as minhas próprias práticas o que se tornava deveras cansativo. Decidi, pois, que aquela seria a última vez. Algumas das pessoas que circulam nos meios esotéricos, pensam que os seus problemas se resolvem por obra e graça ou que a sua solução vem de fora e não de dentro. Para além disso, as práticas de Yoga, seja físico, mental ou espiritual, despertam emoções, por vezes incontroláveis e trazem à superfície problemas há muito esquecidos ou bem guardados. Felizmente, as práticas são bastante úteis quando levadas a sério e conduzidas com competência o que foi acontecendo sempre, apesar dos acontecimentos trágico-cómicos. O Yoga é uma filosofia que nos ajuda a perceber melhor a vida e o nosso papel na passagem por ela.
Fiquem bem!

Comentários

Manel disse…
O desespero é muitas vezes um bicho descontrolado que rói o ânimo, tão necessário quando se decide assumir compromissos tão profundos. Felizmente existem alguns bons pescadores, que nos dão braço para sairmos das águas revoltas. Um beijo e até já.
Maria Emília disse…
A solidariedade não é uma palavra vã quando da união se faz a força!

Beijos
Aldina Duarte disse…
A Vida é um caminho que se percorre sem almejar resultados, a não ser mantermo-nos no Caminho versus Vivos, ainda que por vezes perdidos...

Até sempre!

Beijinhos e abraços longos e fortes de saudade!

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