LISBOA, PORTO DE ABRIGO, PONTO DE PARTIDA

Quando, finalmente, conseguimos pôr fim às separações fizemos de Lisboa o nosso porto de abrigo e começámos uma nova vida. A adaptação não foi fácil, apesar da vantagem de termos a família reunida. Foram tempos em que tivemos de voltar a conhecermo-nos e a lidar com tantos feitios e maneiras de ser. Os pequenos mais velhos mudaram de escola para ficarem ao pé de casa, a mais velhinha também começou a sua vida de estudante e, assim por diante, até que estivessem todos na escola primária do bairro. O dinheiro não abundava e tão pouco as mordomias de índole africana, por isso, o meu marido foi obrigado a procurar trabalho extra fora da Marinha, enquanto eu me ocupava a tempo inteiro das crianças e lides da casa. Tinha de acompanhar os estudos e as actividades dos miúdos, coisa que me enchia bastante o dia. Entretanto, o trabalho que o meu marido arranjou, foi progredindo a ponto de o fazer pensar em deixar a Marinha e passar a dedicar-se a uma actividade civil, mais rentável e mais interessante. Aproveitando uma aberta dada pelo Ministério da Marinha que facilitava a saída dos oficiais, ele passou à reserva, cerca de dois anos depois da chegada de Moçambique. Infelizmente as condições em que essa saída era permitida, não se podiam considerar as melhores! Foi-lhe retirado o bilhete de Identidade militar e o direito à pensão de reserva, apesar dos anos de serviço que contava!!! Assim, mesmo... Esses direitos só lhe foram devolvidos muitos anos depois de 25 de Abril, através de esforços duma comissão organizada para o efeito. Saiu, pois, com as mãos a abanar e, não sei como, lá nos escapámos da necessidade de irmos para a porta da Igreja com as crianças... Coisa que eu dizia a brincar, mas não muito longe da verdade. Foram tempos bastante difíceis que ultrapassámos como tantos os outros, a lutar e de pés assentes no chão.
Nesse mesmo ano, o meu irmão mais novo foi chamado novamente para a tropa e lá partiu para Timor, onde a mulher e as duas filhas se foram juntar mais tarde. Viviam perto de nós e a sua partida custou-nos muito. O desapego persegue-nos, não há dúvida! Começámos a passar férias em Sesimbra, sempre em Setembro por ser o mês mais barato, até que, por meio de uma herança, a nossa vida melhorou a ponto de podermos comprar um apartamento naquela vila piscatória de grande encanto, onde passámos bons momentos. O meu irmão, entretanto regressado de Timor, associou-se à ideia e passámos a ser duplamente vizinhos, voltando ao convívio familiar alargado e, mais ainda com a chegada dum novo sobrinho.
A adolescência dos nossos filhos foi praticamente passada lá, nas férias e fins de semana possíveis. As recordações desses tempos prevalecem frescas na memória de todos. Por lá fizemos amizades que resistem até hoje, mesmo que o contacto não seja frequente. Pelo caminho ficaram experiências menos gratificantes e algumas faltas de saúde pontuais, próprias de quem está sujeito à matéria densa. Felizmente tudo se foi superando com o ânimo de quem acredita na força da solidariedade que nunca nos tem faltado graças aos Deuses que nos assistem.
Esta fase da minha vida não tem grandes estórias para contar, para além daquelas iguais a tanta gente que, como nós se aplica a criar uma família, respeitando os valores tradicionais e usando de criatividade e empenho para que as crianças de ontem se fizessem homens e mulheres dignos, espelho daquilo que lhes fomos mostrando ao longo dos anos. Como sabem, casei muito nova; tive os quatro filhos seguidos e, esse facto, fez com que ficasse mais livre bastante cedo. Com o sentido prático que me assiste, procurei uma ocupação para além das habituais domésticas para não cair na neura que já havia experimentado em Lourenço Marques. O meu marido passou a andar noutras “guerras” e chegava sempre muito tarde a casa. Não me deu para arranjar emprego porque, em Lisboa isso não era fácil e não tinha empregados. Voltei, então, a estudar inglês no Instituto Britânico, acompanhada da minha cunhada. Por lá andei quatro anos, aprendendo tudo que estava ao meu alcance e nos ofereciam como programa. Foram tempos agradáveis, passados em contacto com gente nova e uma grande abertura de espírito própria da educação anglo-saxónica. Ao mesmo tempo, praticava ginástica, até que... me encontrei com o Yoga, uma modalidade nova na época. Esse encontro provocou em mim uma enorme revolução, seguida de outra de natureza política (25 de Abril). Começa aqui outra estória, mas, isso fica para o próximo capítulo se não se importam!
Fiquem bem.

OM SHANTI

Comentários

Aldina Duarte disse…
Este novo é capitulo das vossas vidas é deevras emocionante e paraou no momento crucial... cá estarei expectante para continuar a seguir esta lição de vida chamada Maria Emília:-)

Recolução e Evolução duas questões muito preponderantes na vida de qualquer ser humano...

Até logo. Beijinhos!
Aldina Duarte disse…
Peço desculpa p'la quantidade exagerada de gralhas, devia ter corrigido antes... não voltaa acontecer, p'lo menos em número tão elevado!

beijinhos

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