O HOMEM PÕE E O KARMA DISPÕE


Aeroporto de Metangula e a Casa da Palhota

A vida de ciganos continua... Estávamos nós postos em sossego, eis senão quando o meu marido foi destacado para um novo comando de lanchas, desta vez, num local de guerra, o Lago Niassa. Esta notícia caiu na nossa casa como uma bomba!!! Mudanças, separações e outras condições de vida que nada tinham a ver com as que usufruíamos naquele momento. Foi uma nomeação bastante injusta, mas impossível de alterar como devem calcular. Depois de muito pensar, ficou decidido que, apesar das circunstâncias serem adversas e, contrariando poderes estabelecidos, resolvemos ir também. Como não podíamos levar a família toda, optámos por levar as miúdas e o filho mais velho que já andava na escola. A decisão foi muito dolorosa pois obrigava a destacar um dos membros. Como o mais velho tinha ficado em Lisboa da primeira vez, achámos que seria a vez do irmão gozar os mimos dos avós. Creio que esse facto deixou marcas no pequeno que, mais tarde se sentiu “rejeitado”, o que me provocou alguma mágoa. Estas situações nunca são lineares e, quando tomamos uma atitude há que aguentar as consequências. Penso que as intenções com que agimos definem os resultados a longo prazo, é assim que funciona a lei do Karma, mas o que foi feito, foi feito. E, foi assim que o nosso segundo filho voou até Lisboa e, nós, depois de muitas lutas, lá seguimos para Metangula, no Lago Niassa (Norte de Moçambique). Seguimos de avião até à Beira, de lá para Vila Cabral e, por fim, seguimos num pequeno avião, um Cessna, até aterrarmos neste “aeroporto” que, como podem ver na foto, não era de grandes dimensões. Os aviões de carga, por vezes, tinham alguma dificuldade em acertar no alvo… É preciso que se diga que só se podia chegar lá de avião porque as estradas estavam minadas. Aliás, a chegada de um avião aquelas longínquas paragens, era um acontecimento. Lá aterrámos, saudados por quem nos havia antecedido nessa aventura. A casa que alugámos, era bastante pequena, duas divisões e uma cozinha e foi essa a razão de não podermos ir todos. Os amigos que lá tinham vivido haviam mandado construir uma palhota que nos servia de casa de jantar e sala de convívio. A casa era, por isso, conhecida pela Casa da Palhota. Lá recebíamos os oficiais que não tinham família e mais alguns dos destemidos como nós. As senhoras reuniam-se para passar o tempo a conversar, fazer malha ou trocar receitas. Tenho uma bela colecção dessas receitas que tinham total aprovação dos que nos acompanhavam num café ao serão, sempre houvesse disponibilidade. Nessas ocasiões, fazíamos questão de nos arranjar a preceito, apesar das condições selvagens em que nos encontrávamos. Uma atitude de grande importância para que o moral se mantivesse elevado e a dignidade ao mais alto nível. Uma das ocupações que me entusiasmava era a horta; uma vez mais a terra a chamar por mim... A verdade é que naquelas terras tudo crescia com imensa rapidez e facilidade; tornou-se um gosto ver como as coisas se desenvolviam. Aliás tive cuidado de levar várias sementes pois por lá nada se arranjava. As crianças adaptaram-se bem. A guerra que pairava pelas redondezas nunca impediu a sua alegria de se manifestar nas brincadeiras ao ar livre. A vida passava-se no espaço bastante limitado, não podíamos sair da zona de influência da base; as casas de habitação (umas três ou quatro), formavam um pequeno bairro em segurança. Quantas vezes nos dávamos conta dos bombardeamentos feitos na aldeia indígena... “Lá estão eles a atacar a aldeia...”, dizíamos nós. Como sempre acontece em estados de guerra, procurava-se dar alguma comodidade ao pessoal e, uma delas foi a construção duma pequena praia artificial onde tomámos uns belos banhos de água doce e onde nos lavávamos quando nos faltava a água em casa. Era muito engraçado pegar no champô, subir para um colchão de praia para nos afastarmos um pouco e proceder à respectiva higiene. O Lago Niassa é enorme, medindo cerca de 52 milhas de largura e 365 milhas de comprimento (as semanas e os dias dum ano), o que faz dele um mar interior, com ondas e tudo. A água era muito limpa e de boa temperatura. Pelo que constatei na Internet, faz-se por lá turismo organizado, sobretudo na zona do Malawi.
Enquanto isto, o meu irmão casou-se, tendo-nos representado o nosso filho. Já a minha irmã se tinha casado quando estávamos na Índia e um dos seus filhos, meu afilhado, só vim a conhecer depois. Dos acontecimentos fiquei a par por fotos que vi mais tarde, quando regressei. Pior foi quando passados uns cinco meses, sofri o grande choque ao saber, via telegrama, da morte do meu Pai! O choque foi maior pelo facto de só ter sabido do acontecimento uma semana depois... Eram difíceis as comunicações e, mesmo assim, só soube de pormenores por carta bastante mais tarde. Restam-me as saudades duma figura que foi marcante no meu desenvolvimento como Ser e como personalidade. Sinto que estou, até, mais parecida com ele no que toca feitio e filosofia de vida. Ele, médico dedicado, eu uma curadora com vontade de ajudar as almas que de mim se aproximam.
O nosso filho mais velho frequentava a escola local, mas como a maioria mal falava português, o pequeno não estava a aprender nada e, por essa razão, achámos melhor mandá-lo também para Lisboa, onde se juntou ao irmão. Nova separação e as saudades a apertarem. Esta passagem terminou quando nos apercebemos da necessidade de vir dar apoio à minha Mãe que anunciava dificuldade em lidar sozinha com os dois rapazes, apesar da ajuda da velha criada/avó. Regressei, pois, a Lisboa quase quatro anos volvidos. O meu marido chegaria uns meses depois. A partir dessa altura, iniciámos uma outra vida, mais pacata e sem outras mudanças que não fossem as de nos habituarmos a viver com as dificuldades próprias de quem tem uma grande família, com pouco dinheiro e novos hábitos, mas com a felicidade de, por fim, estarmos todos juntos!!!

Logo vos conto.

Comentários

Aldina Duarte disse…
Obrigada pela companhia e pela força das suas histórias em todos os momentos melhores e piores...

mil beijos minha boa amiga!
Anónimo disse…
Que bom partilhar connosco a sua experiência e estórias de vida.
E vai-nos deixando cada vez com mais admiração e curiosidade ...
Beijinhos
Maria Emília disse…
Tenho imenso prazer em "conversar" convosco e partilhar as minhas aventuras porque foi por elas que aprendi o que me tem servido para ser o que sou.
Um abraço e fiquem mesmo bem!
gataborralheira disse…
Percorrer esta fantástica experiência de vida, ajuda-nos a pensar e reflectir sobre os caminhos percorridos.
Partilhar esta história connosco ajuda-nos, sem dúvida, a crescer.

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