VIDA NOVA

GOA

Depois de 36 horas de voo, esperava-me uma vida nova que em nada se pareceria com aquela que acabava de deixar. O meu marido/noivo, tinha arranjado uma parte de casa, algures em Pangim, creio que a zona para onde fomos morar se chamava D. Bosco. A casa era de umas senhoras Tailandesas que viviam de alugueres
a pessoal em comissão. Uma moradia simpática, com varanda e tudo! Contávamos com 3 divisões, dispostas em fila: sala comum com varanda, quarto e uma suposta cozinha que nem lava-loiça tinha. Casa de banho?...Bem, a casa de banho situava-se no fim da varanda que dava para o quintal e, para além do uso próprio, era lá que se lavava a loiça e, de lá, se trazia a água para uso doméstico. Na pseudo-cozinha, havia uma mesa sem cadeiras e, nas paredes, uns suportes onde ficavam pendurados os tachos e as panelas. Onde cozinhava?.... Pois... Talvez não acreditem, mas a menina de Lisboa, burguesa de raiz e transplantada para outro “planeta”, teve de aprender a usar um fogão a petróleo que era onde aplicava os seus parcos conhecimentos culinários. Como devem calcular, não foi fácil formar-me nas tarefas domésticas a que não estava, minimamente, habituada, quanto mais treinada. Para me ajudar tinha uma empregada indiana muito simpática, que mal falava português, mas bastante prestável. Máquina de lavar?... Tanque?... NADA! A roupa era tratada por um lavadeiro (as mulheres não faziam esse tipo de serviço) que, semanalmente, a levava e trazia já passadinha a ferro. De vez em quando, lá tinha eu que dar um jeito nas fardas do meu marido, cujo lugar o obrigava a andar fardado de branco. Com alguma dificuldade e a maior boa vontade, me fui desenvencilhando de todas as tarefas, aprendendo à minha custa e com a colaboração familiar e das vizinhas, donas da casa que, amavelmente, me ensinaram a arranjar peixe, etc. Nada disto foi dramático pois vivia sob uma aura de paixão e descoberta, um fascínio permanente, mesmo quando o calor e a humidade me perturbavam para além da conta.
Entretanto, conforme combinado, tivemos o privilégio de receber a benção nupcial na igreja onde está sepultado São Francisco Xavier; a nossa ignorância histórica não nos permitia saber o papel que aquele santo teve durante a Inquisição... O que nos ensinavam na escola trazia a informação mais conveniente à Igreja e ao regime. De qualquer modo a intenção conta e, naquele momento sentimo-nos compensados em relação ao casamento com noivo emprestado (casei por procuração, lembram-se?...). Um momento, de facto, marcante, até pela sua originalidade.
Mudar de vida, mesmo que a mudança seja agradável, por que não dizer, excitante, não é coisa de somenos. A alteração de hábitos, clima e tudo o resto, obriga a um esforço constante de adaptação que tem os seus custos. A juventude permite-nos, no entanto, algumas loucuras e os desafios propostos acabam por ser um estímulo para a criatividade. Divertia-me imenso a ir às compras num mercado de rua onde colhi uma série de conhecimentos sobre usos e costumes do foro alimentar próprios da região. As vendedeiras achavam-me graça porque gostava de meter conversa com elas, apesar do fraco português que entendiam e falavam, e de provar os frutos exóticos que não conhecia de África. Aprendi que se pode fazer um delicioso caril de Goa com meia dúzia de camarões e que havia arroz de várias espécies para além do costumeiro carolino (no tempo não se consumia a variedade “agulha”, nem outras que, agora, proliferam nos supermercados). Como já perceberam, era uma cozinheira interessada mas inexperiente. A minha Mãe, aquela mulher sábia e prevenida, tinha-me posto na bagagem um excelente e simples livro de cozinha (Isalita) que, ainda hoje, consulto e que, também, ofereci um exemplar à minha filha quando foi viver para casa dela. A vida passava-se, com bastante convívio, idas à praia ou a frequência do Clube Militar da Marinha onde nos reuníamos para mitigar as saudades da família com quem mantínhamos contacto através de cartas semanais, ocasião para desenvolver amizades, daquelas que ficam para a vida.
Estes primeiros tempos foram de pouca duração visto que o meu marido deixou o posto que exercia para passar a ocupar o de comandante das lanchas em Diu, ou seja, ao fim de um mês, voltei a fazer as malas e lá zarpámos de avião até Diu. O tempo lá passado foi uma experiência que dá para contar mais estórias, algumas bem extraordinárias...

Fiquem bem!

Comentários

Aldina Duarte disse…
acabo de dar forma ao que chamamos de mudanças radicais, através da sua história de vida, ou seja, a mudança radical é a exigência da capacidade de adaptação em movimento permanente por um período de tempo imposível de determinar ( estou só a reflectir??? )... beijinhos maria emília.

aldina d.

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